segunda-feira, 18 de junho de 2018

3º O momento da virada ...

Tive a maior felicidade e sorte do mundo quando de repente fui convocado para servir o exército... aí a história mudou completamente....  

Um detalhe me chamou a atenção pois eu morava em um município não tributário, ou seja, não era convocado para o exército e sim Tiro de Guerra. Eu já havia me alistado e sido dispensado por excesso de contingente e já tinha data marcada para o juramento da bandeira, estava no aguardo.

Qual não foi a minha surpresa quando um dia eu cheguei em casa depois do trabalho e meu pai me entregou uma carta do Ministério do Exército e nela estava escrito que eu teria que me apresentar dentro de alguns dias no quartel do Parque D. Pedro e procurar o capitão Pacheco. Fiquei sem dormir vários dias e não conseguia trabalhar (deu até diarréia de medo kkkk) pois não poderia imaginar o motivo....estava com medo pois era época de ditadura militar e tudo que era relacionado ao exército era extremamente perigoso.

Ouvia-se histórias de pessoas que desapareciam depois de serem intimadas a comparecer assim como eu fui. O exército ia buscar em casa por qualquer motivo e na carta dizia para não me atrasar e não deixar de comparecer porque era ordem do Ministério do Exército e quando falavam em Exército, Marinha, Aeronáutica já se tremiam pois existia uma palavra que todos temiam "DOI COD" e eu não sabia o que significava isso e cada vez que eu perguntava a algumas pessoas mais velhas mais eu mijava nas calças de medo.

Poucos sabiam a profundidade do regime militar, estava no auge da ditadura. Só sabíamos que muita gente desaparecia.

O meu pai me obrigou a cortar o cabelo estilo meio americano, corte militar e assim chegando no dia levei a carta e me apresentei.

Desde a entrada do portão até a fila onde todos aguardavam já fui sendo humilhado por estar com o cabelo cortado. Na época que ninguém estava querendo servir o exército eu já estava até de cabelo cortado e diziam "ele é terrorista tentando se infiltrar no exército" imagina a pressão de tantos militares, soldados e cabos... falta de experiência do gordinho bobo do interior.

Era começo de ano e existiam centenas de jovens se apresentando para o serviço militar. Na época os militares soldados e cabos faziam questão de nos apavorar, chingando, gritando, batendo nos armários, fazendo piadas, o que hoje chamamos de bulling mil vezes pior... tipo...quem tinha cabelo comprido era chamado de mulerzinha, colocavam um pano na cintura e faziam desfilar, faziam tranças no cabelo....não tinham dó.

Depois de muitas horas de pressão e quase de novo mijar nas calças, alguém percebeu que eu tinha uma carta na mão e perguntaram o que era. Depois que eu falei me colocaram em uma outra fila mais calma e começaram a me tratar bem pois eu ia falar com um tal de Capitão Pacheco e ficaram com medo de eu relatar todo o ocorrido.

Esperei por horas até que me chamaram para uma sala. Quando eu entrei na sala um senhor se levantou da mesa e sorridente veio me cumprimentar, eu percebi que tinha várias estrelas no seu ombro. Não deu nem tempo de contar pois eu estava apavorado ou definir os modelos das estrelas.

Pediu para eu sentar e começou a contar sobre a minha vida no ciclismo perguntando sobre várias corridas que eu tinha participado...ele já sabia de todos os detalhes. O Exército era muito astuto, sabiam de tudo e de todos... Depois de algum tempo me elogiando ele disse que existia uma Olimpíada Militar que seria neste ano de 1974. O Coronel Quirino Carneiro Renno, comandante da Cia - Segundo Batalhão de Guardas, no qual eu estava me apresentando era muito fã de esportes e estava montando uma equipe para representar o Segundo Exército, pois o Exército é dividido em algumas facções. Esta olimpíada seria em brasília e eles já tinham convocado alguns dos melhores atletas em idade militar. Posteriormente conheci o famoso atleta João do Pulo e outros de outros esportes como Mota do judô, Romão do atletismo, Calil Jorge do box e outros todos em idade militar.

Para minha surpresa o Olegário que era do Ciclo Zanolla já tinha sido convocado assim como o Farley (lembram do primeiro post?)

Todos  os cinco melhores atletas ranqueados nas federações foram sutilmente / obrigatoriamente convocados a se apresentar neste mesmo batalhão. Alguns vinham de até mesmo de outro estado e eram obrigados a morar no quartel.

Eu falei que ciclista não podia correr a pé e nem carregar peso por causa da musculatura da perna, devido a formação diferenciada do músculo. Falei que tinha sido dispensado do Tiro de Guerra e ele disse "pode deixar conosco que já resolvemos isso" e me deu dois dias para me apresentar oficialmente. No outro dia eu fui na fábrica comunicar que tinha sido convocado pelo exército e como eu não tinha nenhum documento comprovando eles acharam que era mentira justamente porque eu morava em um município não tributável.

Anos após estar servindo o exército quando dei baixa tentei retornar a fabrica e estava constando como abandono de emprego...fui até o tal do sindicato brasileiro de São Bernardo do Campo e fui aconselhado a deixar pra lá pois a empresa que eu trabalhava era muito grande para comprar briga e assim perdi 4 anos.

O começo da virada....


Dia de apresentação do quartel....
6h da manhã, barba feita, horas e horas de instrução militar...vai de um lado para outro, percebi logo de cara que todo o meu esforço de ciclista ia por água abaixo pois todos os exercícios que me obrigavam a fazer iam contra o treinamento do ciclista. Eu, o Olegário e o Farley éramos obrigados a fazer todos os exercícios iguais aos outros... correr a pé, carregar peso, ficas horas de pé sem se mexer sem descanso...imagina o bobinho inocente fazendo tudo aquilo foi neste momento que a minha revolta interior começou a se manifestar.

Nunca mais tivemos acesso ao capitão Pacheco pois ele era assessor direto do comandante e ninguém podia falar com ele a não ser via superiores...eu como soldado nunca poderia falar com ele a não ser que fosse chamado.

Um dia durante o treinamento me atrevi a falar com o sargento que não ia cumprir aquelas ordens pois estava acabando com o meu condicionamento de ciclista por anos. Ele olhou bem para mim, me colocou em forma e gritou em tom muito ameaçador cuspindo na minha cara que se eu não obedecesse eu ia preso por desacato. O medo falou mais alto e obedecia todas as ordens... treinamento intenso todos os dias e vigilância noturna no quartel.

Eu ia para casa uma ou duas vezes por semana.

Durante o primeiro treinamento externo/"ralo" que foi no Tiro de Guerra, situações de caminhada na mata com fuzil, mochila, rastejamento em arame, córregos.... um verdadeiro inferno para os novatos.

Para minha sorte o sargento lembrou que eu tinha o desafiado (putz) ... ele ficou de fé nas minhas costas com coturno e tudo fazendo eu rastejar pela mata e no barro...fez eu beber água suja do córrego e falava "lembrei de você, quer dizer que você é o rebelde"... por pouco sobrevivi...

Voltando ao serviço militar...

Depois de 3 meses sem tocar na bicicleta, morto pois eu estava na instrução ou morto na cama, de repente o coronel mandou me chamar...ele perguntou como estava indo o meu treinamento na bicicleta.... falei que eu não tinha mais treinado pois passava o dia em instrução ou prestando serviço nas guaritas em escala, dia sim e dia não 24 h.

Ele gritou um monte comigo como se eu fosse o culpado, mandou chamar o sargento dizendo que a partir da quele dia eu ia treinar todos os dias após o almoço escoltado por um veículo militar, um sargento e um segurança.

No outro dia eu já estava com o treinamento marcado e teria que ir até Santos. Fui dispensado mais cedo para preparar a bicicleta. Chegando em casa limpei a bicicleta e cometi o maior erro da minha vida, coloquei um pinhão fixo (tirei as marchas), isso era usado em começo de temporada para adquirir forma.

Outro dia após o treinamento na parte da manhã o sargento me chamou avisando que a viatura estava pronta e eu poderia me arrumar.

Saímos do quartel Parque D. Pedro rumo à Santos. Passamos pela Av. do Estado, Av. D. Pedro, Av. Nazaré, via Anchieta, Estrada Velha de Santos descendo a serra velha. Quando andei mais ou menos dois km já me arrependia de existir, pois todo o tempo sem atividade fazia o corpo doer demais....não existia avaliação médica.

Chegando até o alto da Serra o sargento falou que eu teria que descer a Estrada Velha de Santos pois estava no roteiro... 8 km só descida e eu já havia feito aproximadamente 45 km...tive que descer até Cubatão....imagina todo esta quilometragem de pinhão fixo todos esses três meses sem atividade ciclística.

Chegando em Cubatão pediram para eu descer da bicicleta e colocar na viatura pois eles iam visitar um parente em Santos.

Chegamos por volta das 18h no quartel e assim foi por vários dias na mesma rotina.

Além de ir para Santos outras vezes íamos para Interlagos, Castelo Branco até Sorocaba, Anhanguera até Jundiaí, e algumas vezes treinávamos junto com o Olegário e com o Farley.

Durante os treinamentos com eles o Farley fazia questão de ser o bom no treinamento atacando nas subidas e tentando sempre chegar em primeiro... só que existia uma diferença, eu já competia na primeira categoria, na elite, o Farley estava na segunda e o Olegário ainda no juvenil.

Eu havia aprendido que no treinamento não se mostrava a sua real condição física então sempre deixava o Farley e o Olegário ganhar, freiando disfarçadamente para eles ganharem e pensar que estavam arrasando.

Adquiri forma rapidamente e voltei a competir pela Caloi de São Bernardo junto às provas da federação, ainda no exército.

Após alguns meses veio a Olimpíada do Exército em Brasília, um evento muuuuito bonito, deveria ter até hoje. Todo o Exército brasileiro competindo com os seus atletas em todos os esportes. Foi também a primeira vez que viajei fora do estado.

O capitão Pacheco havia me feito um pedido...eu teria que ganhar de um outro ciclista que era sargento de outra região militar pois ele já tinha ganhado duas ou três vezes a Olimpíada.

Largamos no autódromo de Brasília onde também foi realizado o Campeonato Brasileiro de Ciclismo na mesma semana.

Logo de início eu, o Farley e o Olegário nos distanciamos do pelotão. Quando estava se aproximando o momento para a chegada eu ajustei o firmapé e esperei os dois atacarem...rebati as pedaladas ultrapassando o Olegário e posteriormete o Farley faltando apenas um metro e meio para a chegada.... O Farley começou a me chingar de todos os nomes... como eu poderia ter ganhado dele pois durante todo o treinamento eu nunca havia ultrapassado ele... ele batia no guidão com tanta força e gritava "como, como você ganhou" e eu disse: "larga de ser trouxa eu nunca ganhei no treinamento porque eu freiava" ... até o capitão Pacheco veio me perguntar o que tinha acontecido pois eu nunca tinha chegado na frente nos treinamnetos.... ele foi o único a me cumprimentar.


ficamos um tempo  sem se falar....ele com ódio de mim por eu tê lo enganado e eu feliz por ter feito ele de bobo.

Neste mesmo ano ele foi convidado para correr na Caloi de São Paulo na segunda categoria e eu continuei na Caloi de SBC na primeira categoria.

Durante os três meses que eu fazia o treinamento militar não sabia que me daria melhor condicionamento muscular e pulmonar pois eles tinham adotado o treinamento do técnico da seleção brasileiro de futebol chamado Coutinho. Treinamento básico: correr 3 km a pé em 12 minutos e outros.

Continuei treinando todos os dias a tarde e tirando serviço de escala, inclusive escala vermelha, sábados, domingos e feriados.

Todos os domingos eu ia competir pela Caloi de SBC e voltava 18, 19h para o quartel para assumir o serviço, escala vermelha.

Recebia muitas críticas dos militares pois alguém teria que ficar no meu lugar até eu chegar, um dia coincidentemente o coronel me chamou de novo e perguntou se estava tudo bem. Eu respondi que sim, porém a unica coisa era a escala vermelha, pois eu tinha que competir no interior, chegar as 16h e correr para o quartel para cumprir a escala.

Ele imediatamente pegou o interfone e ligou para o tenente comandante da primeira companhia dando lhe uma bronca aos berros... " Como pode vocês fazerem isso ... o Duarte tem que competir e voltar para cumprir a escala vermelha " a partir de hoje ele não entra mais na escala vermelha. Fiquei contente pois não ia mais trabalhar de final de semana no quartel. só competir... quando saí da sala do coronel, imediatamente alguém me chamou para ir na sala do tenente da companhia pois ele estava muito bravo.

Me apresentei em sua sala e fui recebido aos gritos pelo tenente e pelo sargento que fazia as escalas. "Com o ordem de quem eu fui reclamar com o coronel sobre a escala vermelha" ... o tenente já disse imediatamente que eu estava preso por insubordinação pois fui falar diretamente com o coronel sem falar com eles antes... não me deixavam falar.... me deu dor de barriga de novo.... com muito custo consegui consegui falar que era o Coronel que tinha me chamado e eles não acreditavam que ele tinha mandato me chamar diretamente...

Conclusão: não fiquei detido e nunca mais fiz escala vermelha provocando grande ira nos companheiros pois iam ficar sobrecarregados.

Ai começou a segunda parte da perseguição....tudo que era BO passavam para o Duarte fazer....

No próximo post vou contar como eu comecei a virar o jogo....








3º O momento da virada ...

Tive a maior felicidade e sorte do mundo quando de repente fui convocado para servir o exército... aí a história mudou completamente....   ...